sábado, outubro 04, 2014

The damage is done


Me parece que agora é uma questão de escolha. E eu escolhi você. Escolhi você acima da comodidade e da familiaridade dos meus erros. Escolhi você com todas as renúncias que isso envolve. Escolhi a dificuldade de ter que lidar com nós dois. Escolhi mesmo com a incerteza de você também ter me escolhido.

quinta-feira, setembro 11, 2014

dreißig

Eu moro no décimo andar, em uma cidade da qual sempre gostei mas na qual eu nunca quis morar. Faço trinta anos. Um tempão. Em meio a um milhão de mudanças dessas que a gente faz só pra se provar vivo. Estou viva agora. E feliz. Estou viva e feliz, agora. No meio da vida e da felicidade, tem esse monte de detalhe: as contas que às vezes não fecham, a facilidade apaixonante de algumas coisas e a dificuldade desafiadora de outras, a umidade relativa do ar, o que eu tenho nos meus poros. Mas esse monte de detalhe hoje, viva e feliz, parece fechar redondamente. Parece que depois de muito tempo, embora eu nunca tivesse percebido, eu finalmente posso responder: "sim". Digo "sim" quando me perguntam se tá tudo bem, se estou feliz, se topo sair antes do trabalho pra tomar uma cerveja, se quero isso agora: sim, sim, sim. Vejo do décimo andar, vejo lá de baixo, bem perto do chão, todo esse mundo que se espalha pelas ruas de uma vida quase nova. Recauchutada. E me vejo brega dizendo sim pra cada detalhe que constrói tudo que tenho agora; viva e feliz, agora.

quarta-feira, setembro 03, 2014

Física

Nesse momento eu me dei conta que possivelmente eu saiba o exato espaço que o seu corpo ocupa no mundo. E quase me irrito com o ar que fica no lugar de onde você deveria estar agora. Delimito um espaço mentalmente: na minha cama, naquele colchão de solteiro, dentro de mim, no beijo que você me dá chegando sempre pelo meu lado direito, em alguma sacada molhada de garoa onde a gente senta pra ver o tempo passar. Marco cada partícula que ocupa um espaço que eu reservei pra ter o teu cheiro e a tua capacidade de me fazer sorrir. Odeio todas as leis da física, algumas geografias e a ironia que é o fato de eu só conseguir pensar no agora.

sexta-feira, agosto 15, 2014

- Por que você tá fazendo isso comigo?
- O quê?
- Me amando.
- Desculpa.

segunda-feira, julho 07, 2014

O medo maior era aquele momento entre o avião pegar a velocidade necessária para decolar e levantar as rodas da frente. A partir daí, tudo parecia resolvido. Mais dez segundos e se levantam as rodas de trás, as asas flutuam suaves e a nave vai se perdendo no infinito do céu à noite, as luzes das casas diminuindo lá embaixo, delimitando claramente o palco dos últimos dias.

Talvez, naquele momento, ela se sentisse assim. E talvez fosse o momento mais difícil, de maior medo, o mais determinante. Quem sabe tudo já estivesse correndo na velocidade certa, mas sempre há um instante muito específico de apertar o pedal; quando tudo se resolve e os próximos passos são determinados: é desse instante que depende o sucesso ou o fracasso de alçar voo, de seguir adiante, de deixar pra trás um cenário e navegar um pouco no escuro até enxergar o próximo.

Ela abriu seu caderno de anotações quando as rodas de trás do avião deixaram de tocar a pista e anotou numa folha em branco: ESSE INSTANTE É AGORA. A letra saiu torta.

quinta-feira, maio 29, 2014

Wake up.

Às vezes eu consigo ver o tempo. Consigo ver ele escorrendo pelos meus dedos enquanto eu me perco naquilo tudo que não consigo resolver. 
Eu enxergo claramente o rastro que eu deixei no caminho entre o que eu poderia ser e o que eu sou, entre o que eu quero e aquilo que eu efetivamente tenho coragem de ser.
Aí eu choro os litros de amargura, de distância, de tempo, de sapos engolidos, tarefas contraditórias, valores ignorados. Eu engasgo em mim mesma com 16 anos, com 22, com o que diabos eu me tornei agora.

Mas é só hoje. Ou só sempre. Ou só quando eu consigo me enxergar.

domingo, maio 18, 2014

talk is cheap

Há três meses eu voltei de uma viagem e nunca desfiz a mala. Deixei as roupas usadas. O casaco úmido daquela noite gelada. Deixei a segunda via do cartão do restaurante que você pagou, o troco de dois e cinquenta da passagem, o meu melhor vestido que eu levei e não tive chance de usar. Tem pêlo do seu gato, uma folha do pé de jabuticaba do seu quintal, tem um adesivo grudado na sola de uma sapatilha que saiu de um disco novo que você comprou e tava jogado no chão da sala. Há três meses eu voltei de uma viagem e nunca desfiz os nós que você fez no meu cabelo quando me beijou na chuva. Nunca desfiz os nós que minha terapeuta gosta de citar. Há três meses eu voltei de um nó e eu nunca me desfiz.