domingo, setembro 30, 2012

Out there on the ice.

A gente aprende a seguir o coração mas poucas vezes alguém menciona que tem mais uns mil corações ao redor, às vezes cada um com seu interesse, e outras vezes uns doze ou uns quinhentos e quarenta e sete com o mesmo interesse que o seu.

Aí a gente aprende a lutar por aquilo que quer, a demonstrar aquilo que sente, mas ninguém gosta muito de quem consegue o que quer e a maioria entra em pânico quando alguém demonstra o que sente.

Tem hora que dá vontade de desaprender tudo, e só ficar vendo o que vai passar.

segunda-feira, setembro 24, 2012

Querido Antônio,

Obrigada pela sua carta. Não tinha muitas esperanças de receber uma resposta, mas fiquei lisonjeada com o seu interesse.
Você pede que que eu fale sobre mim. Bom, não sei muito bem por onde começar. Tenho a pele clara, os olhos castanhos, também claros. Meu cabelo é loiro e bem comprido, mas quase sempre preso em um coque. Me parece em alguns momentos que o cabelo loiro e comprido já não condiz com a minha idade, mas não tenho a coragem necessária pra cortá-lo. Talvez por me lembrar a juventude, os cortejos que recebi pelos meus longos fios, não sei ao certo.
Minha personalidade é difícil de descrever. Eu tento não me afastar nunca do que é importante para mim, ainda que em alguns momentos isso signifique apenas usar uma caneca ao invés de uma xícara para tomar café de manhã. Acho que uma pessoa deve ser fiel àquilo em que acredita. Sou romântica, organizada, gosto de jogar ludo. Tenho dois filhos que não moram comigo e um cachorro chamado Pepe. Ele já tem certa idade.
Mas me fale sobre você. Como você é? Quais seus sonhos? Você tem suculentas em casa?
Me escreva.
Abraços,
Joana.


PROCURO alguém para trocar
cartas manuscritas sobre
plantas SUCULENTAS da
família Asphodelaceae.
Joana, Caixa Postal 5473


(Um presente de aniversário para o blog do Bruno.)

sexta-feira, setembro 21, 2012

A eficácia efêmera do desgosto de Proust.


A gente já saía há algum tempo, pensei que era tudo muito sério, em breve conheceríamos as famílias, deixaríamos roupas pra dormir, almoçaríamos juntos aos domingos. Decidi que era hora de não postergar mais e chegar ao assunto inevitável: meu livro preferido.

Estávamos aconchegados no sofá, eu levantei com alguma cerimônia, fui até meu quarto, peguei o livro. Sentei na frente dele, olhando ele nos olhos.

Com cuidado, botei o livro nas mãos dele. É uma edição econômica de 1986, caindo aos pedaços, com o nome do meu irmão mais velho escrito na folha de rosto e algumas páginas soltas. Coleção grandes sucessos da literatura internacional da Rio Gráfica - Os prazeres e os dias, de Marcel Proust.

Entreguei o exemplar como quem entrega um filhote de gato adoentado. Eu queria que ele se encantasse por aquelas 240 páginas marrons tanto quanto eu. Ele me olhou sorrindo. Pensei que era timidez ou receio, que ele esperava alguma introdução. Fui abrindo as páginas 177, Elogio da música ruim, 176, Eficácia efêmera do desgosto - Olha, esse aqui é foda - 174, Origem das lágrimas que estão nos amores passados. Ele fechou o livro, olhou a contracapa, a capa, mexeu na parte da lombada que tá descolando. Folheou. Uma página solta saiu do lugar.

Ele me olhou e disse: você é a mulher mais incrível que já conheci. Colocou o livro de lado, me beijou. Foi quando olhei pro meu livro preferido em cima do sofá, com uma página solta escapando por debaixo da capa. Me desfiz do abraço, ajeitei a página e levantei sem cerimônia. Fui até meu quarto, guardei o livro, os almoços aos domingos, as roupas pra dormir e os familiares. É um livro de ensaios e de contos muito curtos.

quinta-feira, setembro 20, 2012

O baile


Ensaiei um oi um olá qualquer coisa, a ideia veio durante o banho, e eu tive a certeza de que você me amaria. Não de início, claro. Mas eu faria uma piada tão genial e você sorriria sozinho no trabalho, nesse seu trabalho tão legal, e responderia algo meio receoso mas ao mesmo tempo um pouco animado.

Tá, te vejo no sábado.

Daí sairíamos porque eu te convenci. Pode parecer que não é um bom jeito de começar, mas tenho um amigo muito inteligente que me convenceu de que uma mulher interessante e segura de si pode, sim, dar o primeiro passo, e em alguns casos é uma honra mesmo pro cara, espero que nesse caso seja.

Eu te esperaria com um vestido bonito, nada exagerado, cê sabe, meio despretensioso, e você estaria incrivelmente bem vestido tipo naquele dia que te conheci. Ok, foi a única vez que vi você na vida, mas eu vi fotos, você se veste bem.

A gente conversaria e riria, você escolheria o vinho como um bom homem o faria. Você me contaria histórias incríveis e eu falaria daquele seu livro que eu li que é tão lindo e se relaciona tanto com muita coisa que acho legal, etc, sabe?

Acabaria o encontro e ambos sairíamos com a sensação de que tudo correu bem, um pouco de querer mais e um pouco de querer continuar essa sensação do que temos agora (nada).

Eu chegaria em casa e ligaria pra minha melhor amiga, você dormiria, eu me apaixonaria perdidamente. Acharia que nunca na vida você ia querer ficar comigo, que eu não devia ter contado piada sobre ex namorado, que não devia ter pedido as bruschettas de entrada. Você pensaria poxa que mina legalzinha.

A gente se encontraria de novo, num lugar qualquer, exceto pelo fato de que tudo daqui pra frente não aconteceria porque não moramos na mesma cidade, estado, país, etc.

Aí nos encontraríamos. Você sorriria. Não me beijaria de cara porque não é um filme que precisa acabar daqui 90 minutos. Mas me deixaria com aquela sensação boa de ser a pessoa que o cara mais bonito do baile escolheu.

Eu te convidaria pra me acompanhar numa festa chata. Você iria. Me beijaria talvez no final da festa. Você falaria sobre tudo que pode dar errado. Eu falaria sobre tudo que pode dar certo, embora acreditasse muito mais no que pode dar errado. Mas eu convenceria você mesmo sem acreditar.

E estaria três anos depois na cama à meia-noite, olhando você dormir com a boca entreaberta e os olhos que mesmo fechados são os mais calmos do mundo. Pensaria que queria ter toda essa coragem, de arriscar algo com alguém tão incrível, de ser a mulher que tatuou no próprio corpo algo pra lembrar que tudo passa. Passa o que é bom, o que é ruim, e passam algumas chances que eu tive de ter qualquer coisa com alguém como você.

segunda-feira, setembro 03, 2012

Como um poema do e.e. cummings.


É muito mais legal quando é uma história de amor. Podia ser só uma frase engraçada, uma conversa embriagada, podia ser só alguém querendo contar que teve o dia mais incrível de sua vida, falando sem parar de sorrir, abraçando você com um brilho nos olhos. Mas a gente sempre transforma numa história de amor.

A gente transforma um filme de ficção científica em história de amor. Transforma um pedaço de guardanapo riscado, um esbarrão, um copo de cerveja, uma dança, uma piada, em um mundo infinito de possibilidades e desdobramentos que pelo amor de deus, nunca existiram. E nunca serão.

Mas quem não gosta de uma boa história de amor?

Levo as músicas, todas, pra uma caminhada num dia de sol, e transformo cada letra digitada, cada sorriso e cada centímetro dos 190 e cada amassado da sua camiseta em uma linda história de amor. Pego cada frase, a sua mão encostando sem querer nas minhas costas, a carona que você não ofereceu, a sua pergunta sobre o meu namorado, a mensagem no celular, os olhos azuis, ou verdes, ou sei lá, até a sua namorada, a sua impotência, os e-mails não respondidos, a minha insegurança, 9.934 quilômetros, as mentiras, o nada, todo o nada do mundo, tudo isso, vira uma merda de uma história de amor.