domingo, março 23, 2014

Respiração

O que eu sinto talvez não seja tanto sobre você quanto é sobre mim. Foi o que concluí enquanto te esperava naquele café de sempre, passando frio nas mesas de fora pra poder fumar um cigarro.
Você chegou atrasado, como sempre, e senti meu coração parar quando você virou a esquina. Usava aquele tênis esfarrapado, a mesma roupa, o mesmo perfume. E sete meses depois eu me perguntava como meu coração ainda podia parar.
Uma amiga um dia me mandou procurar um médico. "Não pode ser, você não tem idade". E acho que mais da metade da graça era essa.
A essa altura, eu achei que tinha sacado tudo. Não sei o que sobra pra uma mulher depois de se apaixonar perdidamente pela primeira vez, depois de ser pedida em casamento, de morar junto, de fazer terapia, de se separar, de recomeçar.
Mas aparentemente sobra você. Você senta e dá um sorriso meio sem graça, pega um cigarro meu sem pedir, faz um sinal pro garçom que já sabe o que você quer.
Você solta "eu acho que não precisa ser assim", eu trago fundo.
Penso em tentar explicar que eu já saquei tudo, você tem um mundo pela frente. Que não é justo você estar com alguém que não faça o seu coração parar. Mas não explico. Dou um sorriso porque já passamos por tudo isso antes.
Você se distrai com uma mensagem no celular e eu observo silenciosamente os seus dedos finos, as mãos de pianista sem talento, a sua barba meio torta do lado direito, os olhos incrivelmente lindos escondidos atrás dos óculos. Meu coração pára um pouco. Eu levanto, jogo fora o cigarro. Te beijo como daquela primeira vez. O perfume, aquele beijo de rosto inteiro, de mãos, braços, abraços, eu digo "tchau". Você levanta e me abraça forte. Eu me desfaço do abraço contra minha própria vontade. Olho pra você pela última vez. Pros seus olhos lindos.
Torço pra você nunca descobrir, torço pra esse pedacinho seu dentro de mim crescer com esses mesmos olhos. Torço pra ser a escolha certa. Você tem um mundo pela frente. Eu já saquei quase tudo.

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