terça-feira, outubro 29, 2002

sometimes i still feel the bruise

Daí ele me mostrou a tatuagem dele. Linda. E eu ri e achei ele bobo demais. E falei que aquela idéia era minha. E ele, de fato, se desculpou. Me pagou uma cerveja. Menti que não bebo mais. Pedi pra ele me levar pra casa.
Percebi, numa das curvas estranhas do caminho da minha casa, que ele estava feliz. Que ele gostava do meu silêncio e se preocupava em falar o tempo todo pra que eu não me sentisse mal. E eu sorri calma, algumas vezes, sem ouvir uma palavra do que ele dizia. Achando tudo aquilo louco e estranho demais. Lembrando todas as vezes em que eu jurei que nunca mais veria ele. E como ele não tinha mudado. E eu temia que ele mudasse. Que quando eu o encontrasse ele não tivesse mais aquele sorriso e aquelas covinhas. Temia que ele tivesse mudado o cabelo e não usasse mais camisetas vermelhas. Mas era bom vê-lo assim. Com uma tatuagem a mais e mais histórias pra contar. Me contando das vezes que lembrara de mim. Lúcido. Me falando das bandas dele, que eu já conhecia. Parando o carro pra trocar a fita e dizer "Tens que ouvir isso. Vais gostar." E ser uma banda que eu adoro. E eu fingir não conhecer. Então ele falava da "prima-da-namorada-do-guitarrista-que-tinha-feito-intercâmbio" que ele tinha conhecido, achando isso a coisa mais importante do mundo. E eu ri.
Ainda me contou dos vinte melhores shows que aconteceriam naquele mês e entrou pra tomar um copo de água. E foi olhar o quadro que ele mais gostava da minha casa. Aquele cuja paisagem eu tinha prometido pra ele que ainda conheceríamos. E ele riu, cobrando minha promessa. E, por dentro, naquele momento eu largaria tudo pra ir com ele. Tentaria beijá-lo e ele diria que não é certo. A namorada dele ligaria perguntando onde ele está e ele teria que inventar uma desculpa porque ela sempre me odiou. E ele me consolaria, desnecessariamente. Mas por orgulho e por lógica, eu não o fiz. E ele olhou pra uma foto e perguntou se era meu namorado. Respondi que sim, sorrindo. O celular dele tocou e ele inventou uma desculpa porque a namorada dele sempre me odiou. E eu ri, porque sempre soube dos sentimentos dele. E como ele reclamava daquela menina-chata-que-ligava, que agora era mãe do filho dele. Que, querendo ou não, ele amava. Por necessidade, por obrigação. Por ela ter dado um rumo à vida louca dele. Lembrei de como eu ajudava ele a sair com outras. Como eu era a má da história e nunca percebia que o que eu queria era, na verdade, manter ele longe dela porque sabia que, caso contrário, eu o perderia pra sempre. E quando eu fui embora eu esqueci de contar com isso e perdi ele pra sempre. Talvez porque eu tivesse muito ocupada pensando que eu estava feliz e que seria pra sempre. Talvez porque fosse o certo. Mas eu amava ele e não sabia o quanto. Sabia que só como amigo. Mas não queria que ele fosse de ninguém mais. Não queria que alguma pessoa fosse pra ele o que eu havia sido. Ele era a materialização do meu lado mais egoísta e possessivo. Ele e as camisetas vermelhas dele. E tudo que ele me ensinou. E tudo que eu ensinei a ele. E ficamos quietos olhando os quadros e era nisso que eu estava pensando. E nunca vou saber o que se passava na cabeça dele. Mas ele me deu a mão e sorriu pra mim. Queria que fosse pedindo que fôssemos pra sempre. Era o que eu mais queria. Então meu telefone tocou e era o cara da minha foto. Ele percebeu e sussurrou que precisava ir. "Posso te ligar daqui a pouquinho? Tem outra ligação..." E desliguei e abracei ele como nunca abracei ninguém. Agradeci pela carona. E tive muita, muita vontade de beijá-lo e não o fiz. Porque não era paixão. Porque seria uma culpa desnecessária. E foi a primeira vez que senti aquilo. E achei bonito. Pensei na namorada dele. Pensei no meu. Pensei que a vida é longa e que o que será será. Pedi pra ele ir na frente e corri pro meu quarto pra pegar uma fita. Escrevi "Lua" em cima. Corri pra sentar ao lado dele no carro. Coloquei a fita e dei um beijo no rosto dele. Falei que ele era a pessoa mais linda que eu conhecia e que aquelas músicas eram as que eu ouvia pra dormir. Ele sorriu, ao ouvir a primeira música, a "nossa". Passou um pouco pra frente e ouviu as mesmas bandas das quais ele havia me falado na vinda. Sorrimos. Pedi pra ele ser bom e ficar bem. Sorrimos. Ele disse a mesma frase que sempre me dizia. E que tinha sido, até então, sempre o único. Perguntou se alguém mais a tinha dito pra mim. Respondi, rindo, "claro que não". Saí do carro. Ele me olhou e foi embora. E eu entrei e não olhei pra trás. Não peguei o número dele e ele com certeza não tinha mais o meu. Peguei o telefone, liguei o som, e liguei sorrindo pro cara da foto. Inventei algo a respeito da outra ligação e falei que o adorava. E ele falou a hora em que me buscaria e disse que tinha uma surpresa. Agradeci a ele por me fazer feliz. Desliguei e chorei. Chorei por saber que um dia eu teria saudade daquilo tudo. Sorri e chorei ao mesmo tempo. Achei uma merda o fato de a vida acabar, um dia. Quis dizer pra todo mundo o quanto eu amava. Quis abraçar alguém e estava sozinha em casa. Quis. E esqueci isso tudo depois. Como a gente sempre esquece tudo. Como a gente esquece, quase sempre, de tudo que já chorou.

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